quarta-feira, 3 de maio de 2017

A criança como investimento e a invisibilidade da infância


A criança como investimento tem sido um discurso muito propalado pelo mundo e especialmente nos Estados Unidos. Há inúmeras pesquisas (links abaixo) que buscam provar quanto vale o investimento na educação infantil para a sociedade. Há pesquisas que, para medir esse impacto, buscam cercar os resultados nas aprendizagens (por meio e testagens de larga escala)  das crianças nos primeiros anos do fundamental, nos anos finais e na adolescência, pesquisas que procuram demonstrar que a frequência na Educação Infantil diminui a criminalidade e tem impacto na melhoria da saúde ao longo da vida dos sujeitos que a frequentaram. A própria UNESCO apresenta o cálculo de que investir U$1,00 na educação infantil significa economizar U$ 7,00 quando as crianças estiverem adultas.

É um discurso atraente e muitas vezes convincente, mas também preocupante! Isso porque foca na importância da Educação Infantil apenas como investimento. E assim, se reproduz a lógica de que a criança só é importante como sujeito que virá a ser.

A ideia de infância, como uma fase especial e distinta do adulto,  surgiu quando a sociedade se tornou tão complexa que era preciso que as crianças fossem preparadas para viver nela e a escola o lugar dessa preparação (Àries). A ideia de infância surgiu na perspectiva de vir a ser e tem sido perpetuada ao longo dos séculos.

As criança já são! São sujeitos que, longe de ser passivos, atribuem significado ao mundo e as experiências que vivenciam, tem curiosidades, desejos e inquietações e  se manifestam por meio de múltiplas linguagens, como gestos, expressões faciais, oralmente,... Visibilizar os fazeres e manifestações dos bebês e das crianças pequenas, demonstrando a potência desses sujeitos, é uma forma de  valorizar a infância como tal, não como vir a ser. E são inúmeras pesquisas (link abaixo) de  áreas como a sociologia e a antropologia que vem demonstrando essa potência por meio de metodologias de escuta.

Não é a toa que em boa parte do mundo, os professores de educação infantil sejam tão desvalorizados! Quanto menor a idade da criança, maior a desvalorização de seus educadores. Se há uma desvalorização e uma invisibilização da infância na sociedade, há uma desvalorização das/dos profissionais que trabalham com ela. Se considerarmos que a maior parte dos profissionais da infância são mulheres, a desvalorização se acentua, haja visto a desigualdade de gênero que ainda perpetua.


É preciso defender uma educação infantil na qual bebês e crianças pequenas  possam viver plenamente suas infâncias, brincando e interagindo com seus pares e com adultos, conhecendo sobre o mundo que a cerca por meio das múltiplas linguagens - que o ser humano criou para interagir e se comunicar - e aprendendo a cuidar de si, do outro, do ambiente, por meio de interações saudáveis, onde as pessoas estar bem e felizes!

Bem-estar, felicidade, curiosidades, manifestações infantis e mesmo aprendizagens [1] não se medem por meio de testagens em larga escala do desenvolvimento infantil, nem com fórmulas matemáticas. Isso não significa que as instituições de educação infantil não tenham que ser avaliadas nas práticas que disponibilizam para crianças e adultos.

Por fim,  visibilizar a infância e construir práticas pedagógicas e políticas públicas destinadas à elas, envolve mais do que pensar sobre seu futuro e o futuro da sociedade, mas trata-se de discutir: o que se quer para a infância hoje! E cada cidade, cada instituição de educação infantil tem a possibilidade de ser um espaço de debate sobre a infância. Visibilizá-la e lutar por ela é o nosso compromisso como defensores da infância!


_______________
1. Aprendizagem no sentido amplo do termo e não do número de letras, palavras  ou números que as crianças são capazes de enunciar, como boa parte dos testes preconizam.


Links para algumas das pesquisas citadas no primeiro parágrafo:
https://heckmanequation.org/resource/invest-in-early-childhood-development-reduce-deficits-strengthen-the-economy/

https://www.purdue.edu/hhs/hdfs/fii/wp-content/uploads/2015/07/s_wifis31c03.pdf

https://www.ineteconomics.org/perspectives/blog/heckman-study-investment-in-early-childhood-education-yields-substantial-gains-for-the-economy

http://www.child-encyclopedia.com/school-success/according-experts/school-completionacademic-achievement-outcomes-early-childhood

Links e referências para algumas das pesquisas citadas no 4o. paragrafo:

http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/241

http://www.scielo.br/pdf/es/v27n95/a12v2795.pdf

CORSARO, W. A. Reprodução interpretativa e cultura de pares. In: MÜLLER, F.; CARVALHO, A. M. A.. Teoria e prática na pesquisa com crianças: diálogos com William Corsaro. São Paulo: Cortez, 2009. p. 31-50.

SARMENTO, M. J. (Coord.). As culturas da infância nas encruzilhadas da 2a modernidade. In: SARMENTO, M. J.; CERISARA, A. B. (Org.). Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagógicas sobre infância e educação. Porto: Asa, 2004.









Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá! Comente aqui sua opinião!